CONTRA A EXPLORAÇÃO DA MULHER

25 de outubro - O Dia Internacional contra a Exploração da Mulher 

 

Dia 25 de outubro foi instituído pela Organização das Nações Unidas – ONU – para a superação da desigualdade de direitos entre homens e mulheres, respeitando as características específicas de gênero.

No Brasil, apesar das conquistas significativas alcançadas pelas mulheres, os homens ainda recebem, em média, 25% a mais que elas executando as mesmas funções. E no caso das mulheres negras o salário pode cair a 30% do que um homen branco recebe.

A linguagem é uma expressão cultural que deixa transparecer os inúmeros preconceitos, em relação à mulher, arraigados em nossa sociedade, e que ajudam a perpetuar posições hierárquicas desiguais entre homens e mulheres.

Que tal refletir sobre o valor da linguagem inclusiva e iniciar ou dar continuidade a um processo que recria nossa realidade social? 

Linguagem Inclusiv@: O que é e para que serve?!

Está cada vez mais comum escrever utilizando linguagem inclusiva. Na internet, frequentemente, encontramos textos escritos com palavras que substituem os radicais de gênero das palavras (letras “a” e “o”) por @, x, as/os, is, etc. Mas afinal de contas, você sabe pra que serve tudo isso? Essas palavras escritas de forma “estranha” buscam retirar das palavras o seu gênero ou incluir nelas ambos os sexos. Num primeiro momento pode parecer besteira, mas neste texto pretendemos mostrar a tod@s/todxs/todos e todas vocês como que através da linguagem construímos todo um imaginário de mundo e de história com os quais nos identificamos e damos sentido a nossas vidas.

Wittgenstein foi um filósofo que dedicou sua reflexão para a linguagem e trabalhou demasiadamente este conceito. Para ele, a linguagem é como um espelho do mundo e vice versa.  De fato, é possível perceber que a linguagem não é apenas uma forma de comunicação: ela é uma expressão cultural de determinada sociedade. Ao nos comunicarmos através de palavras vamos automaticamente construindo imagens em nossas mentes. Assim, é importante percebemos que essa expressão cultural deixa transparecer os inúmeros preconceitos arraigados ao seu contexto. Por exemplo, ao falarmos que “a coisa está preta” com tom pejorativo, estamos imaginando e construindo a ideia de que o “preto” está ligado a coisas “ruins” e negativas. O fato de que muitas vezes a linguagem sexista, racista, misógina e antropocêntrica passa despercebida não quer dizer que ela deixa de reproduzir e reafirmar as desigualdades sociais.

 

Linguagem inclusiva de gênero é uma opção de linguagem que busca desconstruir duas ideias: 1) a idéia do masculino como universal e 2) o sexismo estabelecido na linguagem.

Vamos por partes. Digamos que uma professora entra em sala de aula e quer dizer “bom dia” para a turma, mas nesse caso só existe um aluno homem dentre quarenta e nove alunas mulheres. Em boa parte dos casos, esta professora vai dizer “bom dia a todos”, certo? Quando a professora opta por usar o plural no masculino para se referir aos alunos (mesmo que sua esmagadora maioria seja mulher) subentende-se que o “normal” é que quando se cumprimenta um homem, cumprimentam-se automaticamente todas as mulheres que/se estiverem presentes.  Por que será que o contrário (usar o plural no feminino, ainda que existam homens no local) não pode ser aceito? As mulheres foram habituadas a se sentirem incluídas nos termos masculinos, mas os homens não conseguem sentir-se incluídos nos termos femininos. Muitos homens chegam, inclusive, a se sentir ofendidos caso alguém se refira a eles utilizando palavras no gênero feminino. Esta é uma construção cultural sexista e machista.

Esse tipo de comportamento ajuda a perpetuar posições hierárquicas desiguais entre homens e mulheres, pois se subentende que o gênero nomeado e destacado na linguagem é o masculino, ficando as mulheres invisibilizadas e relegadas a estâncias inferiores de representação. A prova de que há machismo/inferiorizarão do feminino na construção da nossa língua é a impossibilidade de se utilizar o feminino como universal (no lugar do masculino).

Diante disso, podemos entender que a linguagem não é só importante para a comunicação, mas também para nosso imaginário. Quando falo a palavra “primitivo” (historicamente falando), sem sombra de dúvidas a primeira coisa que me vem a cabeça é um homem, barbudo, peludo, semi-nu vestido apenas com uma canga. Não pensamos numa mulher, de forma alguma, quando ouvimos ou lemos a palavra “primitivo”. Da mesma forma, quando falamos “os advogados acabaram de sair do tribunal”, instantaneamente imaginamos homens de terno, engravatados, com pastas embaixo dos braços, saindo de um tribunal. Por outro lado, quando falamos “os advogados e as advogadas…”, já conseguimos pensar em homens e mulheres que são advogados e advogadas saindo de um tribunal. Percebe como fica mais plural e inclusivo? Em resumo, quando incluo as mulheres na linguagem, consigo incluí-las na imagem que faço desse acontecimento. Assim, a história que se forma em minha cabeça, na situação que crio com a minha imaginação abre espaço para que as mulheres de alguma forma passem a existir e atuar.

Um exercício interessante é tentar passar um dia falando no feminino todas as palavras no plural que possuam gênero. Não que a proposta da linguagem inclusiva de gênero seja impor o feminino como universal, longe disso. Esse exercício serve apenas para percebermos o quanto o sentido de algumas palavras muda com uma simples inversão de gênero. Por exemplo: “Eles são bons” é completamente diferente de “Elas são boas”, não é mesmo? É aí que nos deparamos com o sexismo na linguagem.

Os papéis diferenciados de ocupação na linguagem para os sexos feminino e masculino são reflexo de construções sociais que em todos os espaços estabelecem posições para mulheres (inferiores) e para homens (superiores) que não permitem uma relação horizontal e harmoniosa, pregando sempre a superioridade e domínio de um sobre o outro. A linguagem tal qual nós a conhecemos hoje em dia estabelece que o universal é o masculino, e que no masculino as mulheres são encontradas. Esse pensamento retira das mulheres a condição de sujeitos, deixando-as a margem e sob o véu dos homens, reproduzindo e dando respaldo à sociedade patriarcal e sexista em que vivemos.

A linguagem não é só símbolo, ela é mais, ela representa uma realidade criada por nós, mulheres e homens. A iniciativa de incluir mulheres nas referências orais e escritas, ou seja, na linguagem de uma forma geral, busca gerar uma mudança de mentalidade, pois se entende que só a partir do momento que as mulheres tiverem voz ativa poderão construir uma realidade que as inclua, que as referencie e que permita que elas sejam sujeit@s históric@s.

Nesse sentido, atualmente, está em tramitação, no Brasil, uma lei que obriga os documentos oficiais do governo a se adequarem a linguagem inclusiva, modificando termos misóginos e racistas e alterando os gêneros das palavras para destacar homens e mulheres sempre. A reconstrução da linguagem se apresenta como forma de buscar uma transformação no imaginário coletivo, mudança essa que permitirá as mulheres historicizarem-se e existenciarem-se, gerando um novo tipo de consciência na população.

A linguagem, como a própria cultura, não é estática, muito pelo contrário. A única coisa constante nelas é a mudança. Vale lembrar que foi assim que surgiram várias línguas derivadas do latim, como o próprio português e também é por isso que o português brasileiro é tão diferente do falado em Portugal. O discurso que prega que não podemos escrever fora do padrão “culto” é sustentado pelxs mesmxs que julgam que não podemos modificar a nossa realidade em busca de um mundo mais justo. Sempre que a parcela da sociedade insatisfeita com as idéias hegemônicas se manifesta é comum este tipo de reação dxs satisfeitxs. Este discurso objetiva simplesmente incutir na cabeça dxs excluídxs que as desigualdade são “naturais” e não impostas injustamente.

Outro ataque feito à linguagem inclusiva é de que ela deixa a leitura “feia”. No entanto, é importante ter em mente que a solução para nossos problemas não é passar maquiagem na ferida sem tratar a doença que a causou. Utilizando um conceito histórico, a “higienização” do Rio de Janeiro para chegada da família real não resolveu o problema da pobreza na cidade maravilhosa (e jamais resolveu em qualquer outra parte do mundo). O mesmo vale para o sexismo na linguagem. Não é fingindo que está tudo bem e utilizando uma linguagem muito bem escrita que vamos solucionar o problema de viver em uma sociedade que reiteradamente exclui as mulheres.

Sabemos que não é fácil utilizar linguagem inclusiva, mas ninguém disse que mudar o mundo seria uma tarefa simples. Há muitas maneiras de se falar inclusivamente e é até bom porque variam de acordo com a situação. Na escrita formal, por exemplo, é perfeitamente plausível a utilização de parênteses ou barras para referenciar as duas terminações possíveis das palavras (todos/as, todas/os, elas/es, eles/as – há quem diga que o “a” deve vir na frente por ordem alfabética). Já na linguagem oral, é difícil falar nos dois gêneros sempre, então uma boa saída é falar os dois gêneros nas palavras mais chamativas, como o já famoso “todas e todos” e quando forem as demais palavras, simplesmente escolher em qual dos gêneros vai falar de acordo com a vontade da/o locutor/a e com prévio aviso as pessoas que a/o escutam.

Em textos alternativos e informais, é possível utilizar o “x” ou mesmo um símbolo como o arroba (a+o=@) para destacar que a/o autor/a está atenta/o para a linguagem que utiliza. Também é possível escrever um texto completamente no feminino e com uma pequena nota de rodapé esclarecer as/os leitoras/es sua escolha.

Existem também sugestões para que os homens falem no plural com o masculino e as mulheres no plural com feminino, no mesmo intuito de “obrigado” e “obrigada”, ou seja, como uma regra de etiqueta.

Enfim, existem infinitas possibilidades. O importante é estarmos cientes da importância das palavras e da comunicação na construção da nossa realidade social enquanto mulheres e do nosso papel protagonista na luta constante de combate à imposição do masculino como universal e superior (para além da linguagem).

(Texto retirado de um dos capítulos do livro “Introdução Crítica ao Direito das Mulheres”, volume 5, da série O Direito Achado na Rua)

 

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