Ir. Giselda Kerber: 20 anos de Inserção no Vale do Jequitinhonha

 

 

  "O melhor lugar do mundo é onde Deus me quer". São José Freinademetz

 

 

 

Ir. Edni: Você acaba de deixar Palmópolis, no Vale do Jequitinhonha. Quantos anos você esteve nessa inserção?

Ir. Giselda: Vinte anos, com a graça de Deus.

Ir. Edni: Qual o trabalho, em geral, das Irmãs no local?

Ir. Giselda: É a evangelização em geral através das diversas pastorais: litúrgica, catequética, da juventude, dos enfermos, da criança, familiar, da sobriedade e ainda, grupos de reflexão bíblica, novenas, programas de rádio etc. Trabalhamos nas comunidades da cidade e da zona rural. Não separamos fé e vida, oração e ação. Além do espiritual, há muita preocupação com o social, onde a vida está sendo ameaçada, em vista do que disse e fez Jesus: "Vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância". Para amenizar a dura realidade da fome e vida infra-humana, com a luta das Irmãs unidas com o povo, foi criada já em 1979, uma associação (ASSOAP - Associação Amigos de Palmópolis), que resultou na aquisição de terras para o povo plantar, mutirões para construção e melhoria das casas, alimentação para famílias doentes e sem renda, creches etc. Nesses trabalhos as Irmãs continuam empenhadas, dando apoio e participando ativamente. A ASSOAP e o Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR) são instrumentos fortes na vida do povo e merecem todo nosso apoio, como também outras iniciativas de luta como pelo meio-ambiente, programações de desenvolvimento local municipal e da vida pública em geral, defendendo e promovendo a vida.
As Irmãs levam em consideração a pessoa humana como um todo, por ser filha e filho queridos do Pai, com direitos e deveres iguais.

Ir. Edni: E o seu trabalho específico?

Ir. Giselda: O meu trabalho foi sempre junto às pastorais da Igreja na cidade e na zona rural, trabalhando na formação de lideranças, principalmente na catequese, liturgia, jovens, grupo de reflexão bíblica, novenas nas ruas e na pastoral dos enfermos, preparando muitos para seu encontro definitivo com o Pai. Nos últimos anos criamos um pequeno programa de rádio na FM local, muito ouvido e apreciado pelo povo e onde também fiz parte ativa. Criamos também a pastoral familiar. Muitos trabalhos vão surgindo cada dia sem serem programados. Um deles é a "pastoral da escuta". Também ministrei o ensino religiosos na escola estadual local durante quase doze anos e me preocupava com esse ensino também nas outras escolas locais. Fazíamos muitas visitas a essas outras escolas. Na parte social, presidi por cinco anos os trabalhos da ASSOAP, com uma creche que matriculava todos os anos 120 crianças na cidade e 40 num povoado. Essas crianças eram das mais carentes e famintas.
Quanto às terras, não só as visitava, mas animava e corrigia os ocupantes em seus direitos e deveres. A maioria era pais e mães das crianças da creche. Muitas vezes levava minha enxadinha e a panelinha com um cozido feito de madrugada, envolto num jornal para não esfriar, e eu mesma ajudava a organizar a terra do plantio de arroz, ajudava a preparar e fazer hortas, passando assim o dia todo com o povo na roça. Depois, buscava com o "fusca" bacias e mais bacias de verduras fresquinhas para serem consumidas pelas crianças na creche. Participei também, sempre que podia, nas programações do STR, que no momento está em boas mãos, e em outros encontros e movimentos com programação em favor da vida, no sentido de apoio e reconhecimento. Sempre gostei de estar no meio e caminhar junto com o povo em todos os momentos significativos.

Ir. Edni: Que acontecimentos foram mais marcantes para você?

Ir. Giselda: O que me marcou foi o crescimento em geral, como um todo, de modo especial senti que cresci junto com o povo. Crescemos juntos, boas lideranças foram se formando e assumindo tarefas importantes. As muitas assembléias que realizamos tanto no social como na Igreja, com a participação ativa do povo, inclusive assumindo a frente. As comunidades, mesmo com pouca ou sem a presença do pároco estão vivas, vivendo na fé e na esperança. Fé e vida se abraçam. As terras, adquiridas há vinte anos, até hoje produzem para os pobres, para sua sobrevivência, como um milagre de Deus. Um marco doloroso foi ver fechar a creche, que após muitos anos de bom funcionamento, devido a um laço astucioso de políticos, não percebido pelo presidente da época, rapaz bom e honesto, fez com que ela parasse de funcionar. Era comovente ver como as crianças se desenvolviam tanto fisicamente como no sentido pedagógico. Até hoje parece que vejo o brilho nos olhinhos e a alegria das crianças quando, ao visitá-las, vinham ao meu encontro, ao visitá-las, sem cerimônia, tumultuadas, me abraçando e agarrando minha saia.
Nos trabalhos pelas comunidades rurais era sempre uma festa para o povo ver o Padre e a irmã chegarem ou, a irmã com algumas lideranças leigas. Muitas pessoas vinham quilômetros a pé, sob o sol quente, a fim de participar da missa ou da celebração e batizar seus filhos. Porém, nas estradas passamos muitas vezes por dificuldades. Muitas vezes não conseguimos chegar de carro e atravessamos morros, águas, lama e assim caminhamos longos trechos a pé, às vezes até duas horas para chegar ao local onde o povo nos esperava. Nessas caminhadas às vezes os insetos parasitas tomavam conta de nós a ponto de provocar febre. Passamos uma noite na estrada, dentro do carro preso na lama, contemplando as estrelas, após uma forte chuva. Entre muitos outros, um caso de dureza e ao mesmo tempo interessante, foi quando um dia numa comunidade, com compromisso marcado em outra, em uma longa ladeira, íngreme, perigosa e cheia de lama escorregadia, foi preciso empurrar o "fusca" morro acima, por cinco homens e eu lá dentro, na direção. Fomos sacrificadas, mas graças a Deus, vitoriosas. Muitas vezes fizemos consertos nas estradas, a fim de poder seguir viagem. Sempre voltamos para casa alegres e agradecidas a Deus pela missão cumprida, mesmo que exaustas. O acolhimento do povo e a simplicidade de seus corações me encanta. 
Quantas vezes ouvi dizerem: só tenho um pouco para meus filhos comer e eu desde ontem que já não me alimento. Ou não tenho mais nem farinha de mandioca em casa para dar a meus filhos. Vi crianças comerem só farinha pura e seca, vi velhos, doentes deitados no chão, sem cama nem colchão. Alguma coisa para algumas pessoas pude fazer para melhorar a situação, mas muitas vezes só podia manifestar minha solidariedade. Mas, vi também muita generosidade e partilha entre pessoas que não têm quase nada.

Ir. Edni: Como foi a reação da Comunidade à sua saída?

Ir. Giselda: Muito sofrida. Alguns procuraram meios para evitá-la, mas como mostrei ser um acontecimento normal, que um dia tinha que acontecer, de praxe, que tinha chegado minha vez, era um chamado de Deus, as pessoas lamentaram muito, mas, tentaram conformar-se. Com carinho, prepararam uma despedida muito bonita. Choros, abraços, oferta de flores se misturaram sem número. Faixas com mensagens, cantos, presentes, declarações de gratidão e reconhecimento, apresentações culturais, etc. Todos os grupos das pastorais e os grupos sociais manifestaram seu carinho. Senti-me pequenina e sem palavras. Houve momentos que não sabia se dava atenção ao que me era dirigido dentro da programação ou ao povo invadindo o palco com flores, desde as mais singelas às mais vistosas, para me oferecer e me abraçar. Foi emocionante. Através de cada palavra e de cada flor vi e senti um imenso carinho e bem querer daquele povo querido, simples e bom, com o qual convivi entre alegrias e dores, durante esses vinte anos. Na noite seguinte houve a Missa em Ação de Graças presidida por Dom Hugo, nosso bispo diocesano, que viajou por mais de duas horas para celebrar conosco. Durante toda a missa o bispo foi colocando sentido na minha presença e atuação em Palmópolis. A igreja estava repleta de fiéis que assimilavam cada palavra com muita tenção. Muitas salva de palmas. No final, teve lugar para mais mensagens, abraços e flores.

Ir. Edni: Quais as perspectivas de continuação do trabalho iniciado?

Ir. Giselda: Sinto que o povo teve uma boa caminhada, há boas lideranças, enfim, vi um grande crescimento em geral. Vejo pessoas capacitadas que, se unirem forças e se assumirem de verdade com muita coragem, como algumas pessoas já estão assumindo, terão condições de crescer muito mais, a partir do que já foi feito. Porém, Palmópolis foi o município que mais cresceu em população na região, nos últimos anos. Consequentemente, também cresceu em coisas contra a vida, por isso é preciso ainda investir muita força. A messe é grande. A base econômica cresceu, porém ainda está fraca, em parte devido à realidade climática, mas também por outros fatores que vêm impedindo o desenvolvimento no País todo.
Há outras Irmãs que irão dar continuidade, colaborando no trabalho da Igreja e da sociedade. Espero que, com as bênçãos de Deus e unidas ao povo irão fazer um bom trabalho.

Ir. Edni: Você teria outras coisas a dizer sobre sua experiência de 20 anos em Palmópolis?

Ir. Giselda: Em primeiro lugar devo dizer muito obrigada! Foi um tempo de graças e bênçãos. Conheci um povo querido e sofrido, bom e porque não dizer, santo. Estar entre o povo, trabalhar com o povo, tanto na cidade como na zona rural, nos trabalhos da Igreja como no social, era a minha vida. Mesmo assim, cultivei com zelo e carinho minha vida religiosa. Gostava muito de participar da programação da Conferência dos Religiosos e Religiosas: retiros, encontros, assembléias do núcleo em Belo Horizonte. Era um grupo que se queria bem. Cuidei também dos afazeres domésticos. Por motivo de economia e boa saúde cultivamos nossa horta, tão produtiva que repartíamos seus frutos com vizinhas e pessoas doentes.
Saí tranqüila, porque, dentro de meus limites, sei que cumpri minha missão. Ao povo, foi Deus que nos uniu nesse caminho, que Deus lhes pague!

Irmã Giselda Kerber,SSpS - pertence a Província Brasil Norte

Convento Santíssima Trindade

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